A EVOLUÇÃO

O cavalo domesticado é ainda um grande portador de genes pré-domesticação e é plausível esperar que sigam regras antigas. Assim não é surpresa alguma que o cavalo doméstico, as vezes, pareça impróprio ou estúpido, pois no sentido evolucionário, ele é um peixe fora d´água à domesticação. Devemos sempre avaliar isso quando tentamos entender o comportamento de um cavalo doméstico.

Por muitos anos sempre achei esquisito aceitar que somos “donos” do planeta e os únicos “filhos de Deus” neste grão de areia do universo que chamamos planeta Terra. Envolvido com tantas diferenças humanas, uns sabendo muito, outros nada, uns líderes, outros poderosos e ignorantes. E quase sempre quando pergunto sobre isso, escuto: "- É a vida!" Busquei respostas, primeiro na filosofia dos por quês, como toda criança.  Mais tarde, mais perdido em tantas teorias construídas por nós mesmos, fui aos pré-socráticos, evolução geo-políticas, nas religiões, relações familiares, relações de domínio e poder, guerras e por fim em nossa própria existência. Sem respostas claras, fui para questão antropocêntrica e direto nos achados arqueológicos. Entrei de “cara”, acho que esse é o melhor termo pra definir como realmente foi, na ESPELEOLOGIA (pesquisa e exploração de cavernas). Acreditem, fui até presidente de um grupo, chamava-se CEBEL (Centro Espeleológico de Belo Horizonte). Tempos bons, conciliava estudos, trabalho e muuuita espeleologia, nos finais de semana. Dentro dessa ciência há a arqueologia e estudos antropológicos e, claro, muita teoria da evolução, conheci grandes metodologias científicas, grandes pesquisadores e pessoas boas e corajosas, desconhecidas do mundo externo às cavernas, que tentavam explicar algum link de nossa existência com o planeta. Vejo, hoje, ainda, uma multidão de seres humanos com a certeza que somos nós que rodeamos e mandamos no planeta! Bom, como o grande físico e matemático Albert Einstein e companhia demonstraram, na relatividade, em poucas palavras, seria que: "tudo depende do ponto de vista do observador?". Foi quando aprendi muito sobre a visão antropocêntrica das teorias evolucionárias, maus descritas ou deturpadas. Campos teóricos que vão de um lado a outro, na tentativa de pouco questionar, e, de como isso deixa alguns, em um pequeno espaço de tempo, seguros e felizes. Descobri que não só não somos os únicos sob as influencias adaptativas evolucionárias, como também influenciamos fortemente e diretamente tudo ao nosso entorno, individualmente e coletivamente. Isso fica muito claro quando vivenciamos ambientes equilibrados e dinâmicos com os cavalos. Quando comecei na medicina veterinária, descobri mais a fundo as questões genéticas e imunológicas, ficaram muito poucas questões. Porém ainda havia uma questão que me incomodava muito. O conceito que o coletivo pontua aos seres vivos,  chamando-os de menos evoluídos, sem capacidade comunicativa e, pior, nomeando-os de seres involuídos, inferiores a nós, seres humanos.  Numa aula de neuropatologia, num slide dos diferentes arcabouços que protegem os diferentes encéfalos, abordou-se novamente sobre a evolução dos seres vivos e o termo “ser evoluído”. Algumas questões colocadas foram: “Devemos então ignorar as diferenças? Devemos ressaltar apenas a sobrevivência individual? Devemos considerar outros mamíferos, melhores adaptados ao meio, como involuídos porque mão possuem o córtex (neocortex) cerebral tão grande, como o dos humanos? Uma diferença significativa, porém e que também nos tira facilmente da realidade presente.” Voltei, então, a esse tema, onde, Mills&Nankervis colocam com mestria ao falarem em comportamento equino  Consideram-se mudanças, mesmo as imperceptíveis, conveniente quando há “vantagem” favorecendo a espécie. Então, Mills&Nankervis, colocam: “Onde ficaria o comportamento altruísta e o comportamento egoísta de alguns. Teoricamente o egoísta será favorecido na evolução, mas também promoverá a extinção da espécie”. Achei bem legal eles sugerirem isso também à espécie equina. Poderíamos pensar numa tendência ao equilíbrio dos termos, até mesmo, para o entendimento das nuanças atemporais que as mudanças genéticas evolutivas propõem. O que chamamos de “seres evoluídos” ou “não”, estariam associados aos melhores adaptados? Os cavalos, como nós, sob o efeito evolutivo, faz-nos pensar quando favorecemos o equilíbrio ou quando influenciamos nosso entorno e também, nossa evolução.
O ancestral mais próximo de todos os mamíferos herbívoros data do período terciário-cretáceo (+ou-70 milhões de anos). Os achados fósseis correlacionados demonstram uma ordem que tinha cinco dedos em cada pé e um numero máximo de dentes encontrados nos mamíferos (6I;2C;8PM;6M) com os dentes de mastigação (molares e pré-molares) quase quadrados e cada um com quatro tricúspides que os ajudavam a triturar os vegetais, o que era apenas parte da sua dieta. A partir de então o acaso genético inicia-se. Dessa ordem surge uma família no Paleoceno o Phernacodus, uma forma mais primitiva de Hyracotherium. Era muito parecido com um cumprido (1,7m) e pequeno porco, de cauda e crina longa com os dedos almofadados, membros proporcionais, olhos muito próximos e situados na linha média da cabeça, direcionados a frente. Difundiram-se por toda terra, pois naquele tempo havia menos pressão dos carnívoros e, vasta vegetação para todo lado. No Eoceno (40 milhões de anos) houve mudanças climáticas dramáticas, porém, surgiram mais pastagens, o que favoreceu o Hyracotherium, uma pequena criatura com 0,50m de cernelha, quatro dedos com casco primitivos, almofadas no membro anteriores e três dedos nos membros posteriores, dorso longo que provavelmente os possibilitavam andar, trotar e galopar. Animal tipicamente de pastagens e dava preferência aos vegetais de alta qualidade e rasteiras. É uma das espécies mais bem detalhada em achados fósseis por ter sido muito bem sucedida da Eurásia a América do Norte. Quando uma espécie é favorecida vemos uma explosão populacional e maior o numero de mutações, mas também sofrerá maior influencia do meio (clima e predradores) e, tudo isso levará a seleção de melhores adaptados, físico e comportamentalmente. Seriam os humanos de hoje? Isso tudo favoreceu a “propagação adaptativa” de vários grupos de cavalos. Apenas citaremos, a partir do exposto anterior, os grupos extintos Gabihippus e os Xenicotherium, mas o grupo dos Hyracotherium permaneceu no Oligoceno. Pelos isolamentos geoclimáticos como o distanciamento dos continentes houve diferenciações consideráveis nas propagações e populações dos grupos da Eurásia, menos favorecidos que os do Norte Americano, no Mioceno. Como regra geral se um grupo enfrenta um impasse, e ele é muito especializado geneticamente, ele não pode reverter aos seus ancestrais ou desenvolver novas linhagens, ou seja, quanto mais especializado geneticamente maior é o risco de extinção e maior a dependência dos ambientes estáveis. Alguém viu alguma semelhança conosco? Infelizmente a evolução não permite uma segunda chance, ela simplesmente constrói sobre o que já esta. Assim surgiram no Oligoceno (30 milhões de anos) a partir do Hyracotherium o Orohipus e mais tarde o Ephihippus, quando surgiram os descendentes mais parecidos com os cavalos, os Mesohippus. Este sobreviveu entorno de florestas e pastos. Pernas mais alongadas e finas e narizes mais delgados com altura próxima de 0,65m. Ele é considerado o principal antepassado do Miohippus, com dentes capazes de triturar forragens duras, coexistiram por cinco milhões de anos. Para entendermos melhor, com as possibilidades de migrações entre os continentes no Mioceno a 20 milhões de anos, surgiram os verdadeiros animais de pastagens com traços similares na dentição, uma coroa alta, o que possibilitou a eles comerem apenas capim, um traço similar dos cavalos, bovinos e ovinos, mas lembremos que isso não é um resultado de um ancestral comum, apenas uma coincidência pela pressão seletiva, chamamos isso de “evolução convergente” e esse foi um momento importante ao comportamento dos cavalos que conhecemos hoje, a lateralização dos olhos, com aumento do campo visual, sendo que os que tinham pequenas diferenças físicas e melhores adaptados foram favorecidos evolutivamente. Podemos citar, como parte dessas pequenas diferenças, a altura de cernelha e a retirada rápida, em velocidade, e em linha reta de alguns animais, daí o favorecimento dos animais com ossos de extremidades fundidas e membros posteriores mais robustos, assim entende-se porque os cavalos não foram adaptados para alterarem o sentido da marcha em velocidade e sustentarem a corrida em uma única direção, diferente do que acontece com um veado campeiro. Continuando. A quatro milhões de anos atrás no Novo Mundo surgiu um mutante com dedo único, antes os grupos tinham três dedos. Conhecido como Pliohippus, ele difundiu-se rapidamente entre seus semelhantes, surgiu dele o Dinohuppus que media 1,4m de cernelha, o precursor do Equus. A partir daí há consideráveis discussões sobre a origem geográfica do Equus atual. Nos 300.000 anos passados há fosseis na América do Sul, Eurásia e na África. Contudo há diferenças relevantes nas dentições, como há hoje entre as zebras e os cavalos domésticos. A explicação mais plausível seria que, surgiu em vários lugares e na mesma época ancestrais diferentes que formaram os cavalos atuais. O oposto dessa colocação é que as diferenças dentárias podem não refletir um ancestral diferente e a exemplo disso cita-se as diferenças entre os grandes ruminantes que partilham de um ancestral comum. Parece-me que, tantos dados fósseis acabaram também por confundir ainda mais, mas na visão científica, são as melhores informações disponíveis. Esta é a parte atraente da discussão, pois fascina aos homens participar de um quebra cabeça de uma história incompleta. Atualmente há seis espécies de cavalos selvagens: três de zebras, duas de asnos e provavelmente o único e verdadeiro cavalo selvagem chamado de Przewalski, o mais próximo do cavalo doméstico. Outros chamados de selvagem deriva-se de populações rebeldes ou abandonados, que escaparam a domesticação. Estudos moleculares demonstram que o Equus caballus atual separaram-se dos outros equídeos como zebras e asnos, há 1,5 milhões de anos atrás.
A 10 a 15000 anos as mudanças climáticas foram novamente significativas, porém não os favoreceram, tanto que 87% dos grandes mamíferos foram extintos. Os cavalos não foram exceções, sumiram da América do Norte, onde habitaram por 50 milhões de anos. Recentemente alguns estudos sugeriram mais fortemente que a chegada às Américas de um caçador inusitado, o homem, coincide, com o desaparecimento do cavalo nesta parte do continente. Várias arcadas dentárias demonstram a presença de cavalos no hemisfério sul das Américas, que também desapareceram a cerca de 6000 anos, coincidente à presença mais maciça de homens neste local. Semelhante a isso e mais recentemente, ocorreu com o Guagga, um primo do cavalo na África do Sul no recente século XIX. Talvez não apenas pela caça fácil, mas também pelas alterações ao meio-ambiente causadas pela presença marcante do ser humano. Em poucas décadas os cavalos deixaram de existir como grandes rebanhos livres e chegaram a extinção em varias regiões do planeta. Seja qual for o motivo do desaparecimento dos cavalos nas Américas ou no Velho Mundo, foram também favorecidos com populações restritas, assim expandiram-se em linhagens próprias e independentes. A evolução aqui não tem a ver apenas com a origem das espécies, mas sim com a adaptação. Portanto entendamos que a variação de espécies, que pode ocorrer de forma natural, faz-nos acreditar no desenvolvimento das características bem regionais. A seleção das populações dos cavalos domésticos atuais iniciou-se num tempo pós-glacial, onde se originou os animais denominados de sangue frio, o que não tem nada a ver com a condição termoestáveis dos mamíferos e sim por serem mais lentos e mais domesticáveis, hoje, chamados de “linfáticos”, são os mais pesados e estão normalmente relacionam-se com animais de força e tração, porém mais dóceis. Animais de clima frio possuem tronco maior. Outras observações documentadas estão associadas às normas de Bergman, físico que definiu a teoria dos corpos sob influência de diferentes temperaturas, que descreve as extremidades mais robustas nos animais de clima frio, cascos largos. Apesar, da norma, ter relação com a física, pode-se extrapolá-la a biomecânica do cavalo, e, ela diz: ”quanto mais parecido com uma esfera, menos calor é perdido em proporção ao volume.”. Animais com troncos mais delgados, pernas e orelhas compridas, pelagem mais fina e curta, pés mais estreitos, face mais delicada e abaloamento do crânio (seios frontais), são os chamados de sangue quente, e, tornaram-se características dos cavalos mais do centro-sul do planeta, onde o clima é mais quente e seco, são geralmente animais mais velozes e agitados e portanto mais relacionados às criações da atualidade.
O estudo da evolução da espécie equina pode e traz grande contribuição a humanidade, e, se bem estudada e, relacionada, além dos dias presentes, pode trazer muitos benefícios ao desenvolvimento dos seres humanos de hoje.