Relação Equino-Humano: “Questão Evolutiva, Neurobiológica e Bem-Estar”


“Bem estar”, uma palavra ampla ao vocabulário geral da atualidade. Quando falamos de cavalos, mais corretamente, de “equinos” (leiam o porquê em “Cavalos, burros e zebras”), estamos falando muitas vezes sob um ponto de vista humano. Porém quando citamos uma verdadeira relação “equino - ser humano”, sob o ponto de vista do equino, descobrimos um mundo alegre, à procura de harmonia e longe de ser mecanicista; com certeza René Descartes conhecia e ordenou bem o mundo humano, vivido por nós até hoje, porém os equinos vivem uma relação clara e direta com seus sentidos, e, todos ao mesmo tempo, declarando tudo o que percebem, preparando-se e adequando-se milimetricamente em seus espaços e distâncias, onde a alma humana normal não sente e principalmente não consegue entender. Neurologicamente, os sensores de percepções são imensamente diferentes dos nossos. Aos equinos relacionamos milhões e milhões de anos passados, com seus sentidos sendo apurados minuciosamente ao longo desse tempo e com apenas um objetivo, a sobrevivência. Sob o ponto de vista, sobrevivência, nos impressiona como somos parecidos com eles, só que não seriam milhões, mas milhares de anos para nós, bem menos que eles no planeta terra. A propósito, todas as espécies, de uma forma ou de outra, estão sob influência das pequenas mudanças genéticas e, se melhores adaptadas, vão em frente, ou seja, para a evolução. Tal tempo propiciou aos equinos uma adaptação, órgãos e sentidos, para fugirem constantemente, não possuem espírito predador, coisa divina, seres que ainda se desenvolvem, e hoje, sob a forte influência e olhares humanos. Um exemplo dessa influência, mesmo que aleguemos de forma indireta, coincide ao desaparecimento: no século XIX do Guagga, espécie de equídeos na região da África do Sul, e, das grandes manadas de equinos com a chegada do homem nas Américas, entre 5.000 a 10.000 anos AC. Entre todas as espécies animais catalogadas em achados fósseis, os equinos são as que possuem melhores e mais bem datados vestígios paleontológicos, condizentes com a sua grande capacidade adaptativa. Todas essas descobertas podem trazer uma luz à etologia do cavalo atual, mas também trazem um benefício grandioso para a humanidade, pois quando unido a nossas percepções, no desenvolvimento dos nossos sentidos, facilita-nos muito a sobrevivência e no equilíbrio psíquico e motor. Devo ressaltar que quando estamos envolvidos somente com produção, não valorizamos socialmente diferenças, diferenças que normalmente não nos atribuímos individualmente, e nos afastam da relação animal - ser humano, em que vemos uma alegria incondicional quando essa acontece. Quando abordamos nossas deficiências neurológicas, destacadamente abordamos nossas áreas sensoriais e verificamos que nossas percepções são péssimas na interpretação da realidade dos fatos, tornando-nos claramente em desequilíbrio com nosso entorno (meio ambiente). Nossa velocidade de processamento mental à consciência é extremamente lenta. Estrategicamente nossa espécie é única em criar e imaginar saídas para uma dificuldade, porém, após um bom tempo do ocorrido. Na relação de tempo geológico, neurologicamente, nossa sobrevivência foi e ainda é favorecida pela estabilidade ambiental e relativa lentidão das mudanças geo-clímáticas. Porém às alterações rápidas, acabamos deflagrados por nossas deficiências sensoriais, ou seja, claramente demonstramos dificuldades de adaptação ao entorno, individual e coletivamente. O distanciamento do lúdico durante nossa fase de crescimento faz-nos adultos neurologicamente “saudáveis” na sobrevivência social. Nossos sentidos podem estar ausentes, porém o imenso córtex cerebral não pode ausentar-se um segundo. Comumente dizimamos nosso entorno, seja qual espécie o habita, por vezes a nossa própria. Quando vemos uma amazona ou um cavaleiro em clara interação, compreendemos o silêncio e o tempo humano. Este “animal” possui orelhas falantes, narinas que enxergam e lábios que tocam. A temperatura de seu corpo é de calor de vida, de uma paz e um conforto, inebriantes. Seu cheiro demonstra harmonia; seus olhos possuem um poder inexplicável que reflete almas presentes, as que estão por vir. Quero dizer, eles enxergam quem vem de muito, mas de muito longe. Possuem olhos que espelham medos do futuro, os seus próprios e os de quem os envolve. Capturam uma imagem levemente destorcida, porém real, de um entorno que os mantém alertas e vivos. Seria para demonstrar aos humanos uma saída para alegrias que estão muito próximas do equilíbrio da vida? Esses escutam também com os cascos, desculpe-me, não escutam apenas, sentem e definem os passos de quem os cerca, ou seja, fazem leituras de quem se aproxima, de como está seu humor e de suas maldades de alma, da psique humana.
Quem já teve oportunidade de vê-los juntos com crianças, adolescentes ou até adultos, com algum tipo de deficiência em relação aos status social “normal” de nossa sociedade, talvez por uma incapacidade física, mental ou psíquica, em uma seção de equoterapia, vê claramente como o equino vai além de todas as conquistas cartesianas, mecanicistas e tecnológicas humanas, conseguindo curas “milagrosas”, equilibrando um “distúrbio humano”. As respostas físicas e psíquicas são tão rápidas, para nossa espécie, que mesmo possuindo apenas como estrutura básica o imenso neo-córtex, nos favorecemos nessa harmonia com o habitat que nos é mostrado por eles. Nós, os seres mais comunicativos da atualidade, mesmo agindo como os grandes dinossauros dominantes do planeta terra nos dias de hoje, PODEMOS APRENDER FACILMENTE COM ELES. Os equinos traduzem e nos auxiliam muito em nossas deficiências de percepção e são muito bons para nos levar além. Eles trazem a nossa incapacidade a luz do conhecimento e da alegria da vida. Não escuto uma, mas milhares de vozes que, ao lado deles, aprenderam e aprendem didaticamente e, de forma inesquecível, a viverem bem. Mesmo quando damos em troca um quarto escuro que os deixa míopes e um quadrado onde mal conseguem espreguiçar com um piso que os ensurdece. Não os considero únicos nessa capacidade de ensino, porém o fazem com uma docilidade e harmonia que extrapola as expressões e didáticas humanas, vão muito além do racional, deixando-se tocar e tocando os humanos que se deixam tocar por eles. O ar quente que sai de sua respiração possui voz e suas palavras são ouvidas pelas psiques humanas sobreviventes dessa “máquina” que o homem construiu para detenção do que chama “construção” e “poder”. Alguns de nós ainda tentamos subjugá-lo, querendo esconder nossos medos, tornando-nos humanos patalógicos e ignorando caminhos claros para a alegria, não se deixando levar por eles na maravilhosa estrada da harmonia. Daí há bastante questionamento quanto ao bem estar, tanto do cavaleiro como do equino.
“Bem Estar” não é apenas uma conquista. Hoje trazemos este termo tão próximo de nós que já o consideramos ciência, parâmetros claros para uma convivência harmoniosa entre espécies que co-habitam o planeta Terra. Falamos hoje de “Bem Estar Humano” na prevenção direta de doenças agudas e crônicas e de “Bem Estar Animal”, tanto aos domésticos quanto aos de produção, os que nos serviriam de alimento ou outras manufaturas. O termo abrangente esta deixando de ser genérico ou empírico. Lembremos que não são mais apenas conceitos, e trazem muito benefício a todos. Os mais céticos e antropocêntricos, já o consideram, mesmo e ainda que numa escala de tempo reduzida para uma discussão. Porém os pontos de Bem Estar como ciência são claros e sua interpretações passíveis de críticas e, felizmente, com grandes benefícios. Após principiarmos a discussão para o Bem Estar Equino (BEA-Equino), obviamente também aos humanos, o conhecimento das cinco liberdades é fundamental:
1ªLivre de sede, fome e má nutrição; providenciando acesso a água fresca e alimento com indicação zootécnica à categoria do equino;
2ªLivre de desconforto físico e térmico; provendo ambiente e abrigo com espaço adequado;
3ªLivre de dor, injúrias ou doenças; prevenção, rápido diagnóstico e tratamento;
4ªLivre para expressar o seu comportamento inerente a sua raça e espécie;
5ªLivre de medo e estresse; promovendo condições que evitem sofrimento mental.
Existem muitas publicações e informações sobre BEA, comportamento e manejo equino adequado e um corpo técnico cada vez mais adequado a auxiliar. As publicações estão frequentemente relacionadas aos departamentos de agricultura ou de saúde pública de vários países. Seus benefícios, quanto à prevenção e tratamento de patologias, é bem conhecido. Por exemplo, o índice de cólicas e patologias odontológicas é praticamente inexistente, em manejos que adotam técnicas de BEA.
Aqui quando falamos de ciência devemos novamente relembrar René Descartes que, como já disse, veio de uma escola racional que dissecou, construiu e associou uma máquina à biologia, o que nos ajudou bastante e didaticamente a expor a consciência humana num caminho de conquistas, porém hoje dificulta muito a compreensão dessa relação equino - humano ou inter-relações das espécies e o planeta. Platão já havia mostrado com maestria o racional e o empirismo, obtendo discípulos das duas linhas de pensamentos, que montaram escolas diferentes, o Racional e o Empírico, tanto na medicina como na engenharia. Hoje vemos que são traduções das linguagens e expressões humanas ao entendimento de seu entorno. Atualmente o que estudamos, produzimos (trabalhamos) e aprendemos são advindos dessas escolas e, um exemplo que pode ilustrar tal influencia é a profissionalização da psicologia que adveio de uma escola totalmente empírica, metodizada grandemente e inicialmente por Freud e hoje é inquestionável, até mesmo pelo mais alto grau da racionalidade humana. Portanto e, particularmente, sou plenamente a favor da ciência, porém não devemos descartar o empirismo. A neurociência caminha a passos largos na tradução do empirismo humano, desvendando o funcionamento de nossa “caixa preta”. E o que tem a equitação e os equinos com tudo isso? Digamos que, do que se mantêm economicamente hoje, aos que se vêm envolvidos com os equinos, quase tudo. São caminhos que a humanidade percorre e conhecimentos que vão por gerações, e a força da interação deste binômio podem ser espelhos para gerações futuras bem adaptadas. Tanto conhecimento aliado a “didática equina” vai muito além, vai da realidade a essência da vida.
A equitação traz força e equilíbrio aos que a praticam, traz um caminho claro aos homens, traz movimento e pulso ao físico inerte, traz vitalidade. Quanto mais os equinos partilharem a vida de todo os cidadãos comuns, de todas as classes sociais, em todas as fases de sua vida, com ou sem “distúrbios” sem a visão de estarem lidando com uma máquina ou uma ferramenta de trabalho, iremos a um caminho mais equilibrado no futuro próximo. Quanto ao paradigma de um animal feroz ou sem controle ou perigoso, a contrapartida fica evidente pelo desconhecimento quanto a essa espécie. Quando citamos casos trágicos de acidentes relacionados a eles, devemos lembrar que são pontuais ou por claro empirismo ou falta de preparo. Relacionados a eles devemos sempre lembrar que o ciclismo, isso mesmo o ciclismo, ou seja, andar de bicicleta, ainda é de longe o esporte que mais se relaciona a acidentes graves e fatais. Outro paradigma é que o animal é dispendioso, lembremos que ele não é carnívoro ou onívoro, portanto são em sua grande maioria de fácil tratamento e baixo custo, pois comem apenas vegetais, tanto que este paradigma esta relacionado à cultura de uma sociedade gregária muito mais abastada que a nômade, cultura tipicamente equestre. Portanto VAMOS À RELAÇÃO EQUINO – SER HUMANO E VAMOS AO BEM ESTAR.

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